18 — Aumento destas cristandades
18 — Aumento destas cristandades
Indo pois a christandade em o mayor aumento, com a entrada de tantos religiosos e de outros que pollos annos seguintes mandarão os prelados da congregação, não ha hoje povoações nas ilhas de Solor, Sica e Ende em que não haja igreja, e em Timor são muitos mais nos reinos de Lifau, Amanubão, Mena, Luca, Batamião, Cupão e outros reinos de que se compoem esta ilha, em que todo os régulos são hoje christãos e seus filhos e molheres e, a sua imitação, muitos de seus vassalos e tem em suas terras igrejas aonde os padres lhes dizem missas e ministrão os mais sacramentos.
Verdade seja que, por não serem hoje os religiosos tantos quales requere a muita christandade destas ilhas, corre, muitas vezes, hum religioso com duas e três igrejas nestes tempos; nasse esta falta não de descuido ou culpa dos prelados da congregação, porque sempre estes mandarão e mandão ministros (e eu no pouco tempo do meu governo tenho enviado oito), mas porque morrem muitos, não havendo anno em que não venhão novas de tres, e as vezes, de quatro religiosos defuntos; o que nasse das ruins agoas que ha em Timor, por respeito dos mineraes de emxofre, ferro, e outros metaes, por onde pação e também por muitas raizes venenozas, de que he esta ilha abundante, e os que /335 v/escapão em vida ficão sempre tão achacados e doentes que parecem defuntos, como nos mostra e experiencia nos poucos religiosos que desta christandade tornarão para a índia, sendo muitos os que nella entrarão. Pello que sam somente dezasseis os religiosos que assistem, de prezente, nestas christandades, que eu pretendo augmentar na monção de Mayo, mandando alguns que supram esta falta, posto que esta congregação se não ache com dinheiro para os aviar e seja necessário empenhar-se pera o fazer este convento de S. Domingos de Goa, como ja se fez nos proximos, por falta das contrebuições que he o dinheiro que esta consignado pera esta despeza, que hoje he muito grande, porque como não ha viagem em direitura, he necessário tomarem primeiro Maccao ou hirem ao Sião e dahy embar- carem-se, segunda vez, pera Solor, no que se gasta muito tempo e dinheiro, por ser esta viagem (quando he boa) de nove mezes e Sua Alteza não concorrer nestes tempos mais que com vinte e seinco xerafins pera cada religioso, de que alguns se gastão na cobrança e he necessário provimento de vinho e outras couzas de que as christandades necessitão, no que se despende dinheiro considerável.
Muito padecerão os religiosos nesta christandade não so em seus princípios mas ainda depois de estar fundada e ja com raizes bastantes, porque os mouros que vivem nestas ilhas e também os de Jaoa, rey de Tolo e olandezes a quizerão impidir, armando-se muitas vezes contra os religiosos pera os matarem e a todos os christãos, como fizerão a alguns, e diremos adiante em seu lugar.
Contra os primeiros inimigos levantou o padre Frei Antonio da Cruz, prelado e ministro primeiro destas christandades, huma fortaleza de pedra e cal na ilha de Solor para sua defeza e das mais christandades, a qual muito tempo sustentarão os religiosos a sua custa, pondo de sua mão capitão e pagando soldados, athe que pareceo aos vices reys deste estado lançar mão delia e conservalla a sua custa, pello muito que convinha ao bem daquella christandade haver esta fortaleza , o que fez o vice rey Dom Duarte de Menezes, como consta de huma provisão feita em 8 de Abril de 1586 e começarão os vices reys a fazer também nomeação de capitão, o primeiro dos quaes foi Antonio Viegas, para o qual mandarão ao feitor de Malaca três barcos e hum falcão para a dita fortaleza, como consta de huma provisão do vice rey Dom Duarte de Menezes, paçada a 18 de Abril de 1568, em que desobriga os religiosos de huma fiança que havião dado na feitoria de Malaca, de algumas monições e pedirão ao capitão de Malaca, Ayres de Saldanha, para se defenderem dos jaós, quando vierão sobre Solor. Tãobem se concedeo para a mesma christandade, a requerimento dos religiosos, huma galeota artelhada com seu capitão, officiais e vinte soldados para andar nos mares de Solor e impedir os roubos que nelle fazião os corsários com grande perda e dano das christandades e que em Malaca se pagassem todos estes gastos e mantimentos da gente, todo o tempo que la andasse, que seria conforme parecesse ao capitão de Malaca, ao bispo e vigário da mesma cidade; consta de huma provizão do governador Antonio Monis Barreto; sua data em 28 de Setembro de 1575 .
Por outra provizão do vice rey Dom Francisco Mascarenhas, conde de Santa Cruz, feita em 11 de Agosto de 1586, se fez esmolla e merce aos padres de Solor de huma fusta das que estavão em Malaca para assistir em seu serviço, defendendo as terras, visto que os padres não ànhão posses para o fazer . Ultimamente o governador Manuel de Sousa Coutinho em 5 de Setembro de 1590, mandou se pagasse trinta soldados pera hirem em huma galiota e assistirem com o capitão, Gaspar da Silva, que hia nomeado para a dita fortaleza . Não faltarão também os senhores reys de Portugal e seus governadores naquelle tempo em acudirem aos religiosos daquella christandade com o sustento e mais couzas necessarias pera la assistirem, porque por um/336.v/ alvara de el-rey Dom Sebastião, feito em Lisboa, em 6 de Março de 1571, ordenou ao seu governador das terras de Malaca e Sul, Antonio Monis Barreto, de aos religiosos de S. Domingos que vão em sua companhia para as christandades todo o necessário pera a dita viagem a saber: embarcassão, vestido e matolotagem e os prova de todo o que ouverem mister, pera que per falta do temporal não deixem de proseguir no espiritual . Tãobem por outro alvara do mesmo rey, feyto em Almerim, em 28 de Janeiro de 1567, que anda encorporado em huma provizão do vice rey Dom Luis de Atayde, de 31 de Agosto de 1570, se mandão dar aos religiosos, que forem para lugares remotos pregar a fe, todas as couzas assima e também vestimenta, calis, vinho, farinha para hóstias e ferro pera se fazerem e ordena o vice-rey que se pague tudo em Malaca; o que confirmou o vice rey Dom Antonio de Noronha por seu alvara de 18 de Abril de 1571.
Pou outro alvara do vice rey Dom Luis de Atayde, paçado em 3 de de Abril de 1577, se fez merce aos religiosos que de Malaca partião para as christandades, de 50 cruzados pera cada hum em todos os annos que la assistissem, os quais cobrou o vigário de Malaca, conforme o numero dos religiosos que havia na christandade, como consta dos recibos que paçarão aos feitores de Malaca que se conservão authenticos .
O governador Manuel de Sousa Couthinho por provizão sua em Goa, a 5 de Septembro de 1590, ordenou se desse a cada religioso, dos que hião pera Solor e mais ilhas, duas tangas por dia, pagas na feitoria de Malaca pera seu sustento emquanto assistissem na dita cidade e depois, ao tempo de se embarcarem, vinte cruzados pera a sua matolotagem; assim aos religiosos que fossem para Solor como também para Camboja e cem cruzados mais, por anno, para ajuda da botica e mezinhas dos religiosos do Ende, Solor e Timor .
O vice rey Dom Duarte de Menezes, por hum alvara seu, cuia data he em 18 de Março de 1586, ordenou ao feitor de Malaca de todos os annos corenta e dous mil res a cada hum dos religiosos que assistem nas ilhas de Bima e Timor, fazendo novas igrejas, por entender que são necessárias para bem daquella christandade e ter provizão de sua magestade o bispo de Malaca para as mandar levantar .
Aos mesmos religiozos que assistião em Solor e Pane- ruca, terras de Malaca, fez merce o vice rey, Dom Antonio de Noronha, por provizão feita em 27 de Septembro de 1572, de huma pipa de vinho para as missas em cada anno .
Ultimamente o vice rey Dom Duarte de Menezes, por provizão de 8 de Abril de 1586, respeitando ao continuo trabalho que os padres da ordem de S. Domingos levão no augmento da christandade de Solor, sustentando e defendendo, a sua custa, de esmolas que lhe davão do trabalho, a fortaleza do vice rey, meu senhor, (são próprias palavras da provizão), concede faculdade ao prelado das ditas christandades que possa nomear em hum português o officio de pay de christãos, que seia juntamente meirinho da fortaleza, e cobrara os ordenados que lhe convém, com certidão do dito padre do tempo que sérvio, e tire a mesma faculdade para o poder tirar e eleger outro com os mesmos poderes e jurisdição sem que o capitão, nem outra alguma pessoa, lho possa contradizer; porquanto confia dos religiozos que obrarão nesta parte como entenderem que mais convém ao serviço de Deos e bem da christandade, e em vertude desta concessão fizerão os prellados de Sollor algumas nomeaçoens de pay dos christãos, athe que de todo se extinguio este officio com todos os mais da índia e ficou aneixo aos religiosos .
Todas estas ordinarias e merces que se davão aos religiozos e também os socorros que se mandavão a fortaleza de Solor acabarão ja, porque como toda esta despeza sahia de Malaca e na feitoria delia se pagavão estes gastos, com perda desta praça /336 v/ cessou tudo e nunca mais se tratou da fortaleza, nem da christandade pera a socorrer e dar aos religiozos o necessário, e so por consessão de Sua Alteza recebem de prezente dous terços de hum por cento que ao dito Senhor se lhe paga em Larantuca do pezo de sandalo, que he muito pouco, pella pouca sahida que hoie tem, não havendo mais que hum barco que o conduza pera a China e ainda este pouco rendimento, ou se não cobra, ou he com muita demenuição e segundo a vontade dos capitães, que como hoie são nomeados por Sua Alteza, fazem-se mais absolutos; não assim quando herão da nomeação dos religiozos, com consentimento de todo o povo, que sempre hera o sogeito que mais convinha ao bem da christandade e da Coroa de Portugal .